Dizia o povo que tinha sido enfeitiçado por uma bela donzela que por ali passara e por quem ficara embeiçado.
Na aldeia notara-se o seu crescente acabrunhamento.
Nunca, nem em novo, tinha sido um homem muito expansivo.
Naquele dia, uma comitiva real que se deslocava pela praia, de passagem da vila do Baleal para o mosteiro de Alcobaça, levava uma jovem aia de doces olhos claros.
Terá este pequeno grupo pedido a Pedro para os levar à margem norte da Lagoa de Óbidos. Foi assim que a vista de Pedro pousou em Lucinda, dama de companhia de uma senhora da corte, por quem imediatamente se perdeu de amores.
Como era final do Outono, fazia frio e a noite caía rápida, viu Pedro a oportunidade de se acercar de Lucinda, se oferecesse abrigo aos forasteiros.
Era pequena a sua casa mas pouco mais havia em léguas a redor. Talvez nas Caldas da Rainha encontrassem aposentos mais condicentes com a posição da condessa, mas ainda levariam umas horas a chegar lá e o dia depressa dava lugar à noite.
Estavam todos a dormir e acercou-se Pedro de Lucinda, na esperança que esta jovem de outro meio reparasse em si. Falou-lhe com toda a sabedoria que tinha para falar com uma mulher. Apesar de o coração lhe chegar à boca, faltavam-lhe as palavras, e o saber e o jeito eram poucos. Percebia mais de pesca e de vociferar contra o mar revolto que por vezes lhe recusava o que ele queria.
Lucinda, mais habituada a outro trato, impressionou-se com Pedro mas não da forma que ele esperava. Revoltado com a incompreensão da jovem, Pedro tornou-se cada vez mais brusco, como se com um mar tormentoso lidasse.
Ora Lucinda também era mais do que aparentava ser, e sabia defender-se melhor das investidas de Pedro, bem além que aquilo que ele poderia supor nos seus mais inimagináveis sonhos.
Eram tempos de brumas e magias, e Lucinda tinha aprendido algumas, deixando-o por momentos acercar-se mais próximo de si, e fazendo-o pensar que estava rendida, soprou-lhe baixinho umas palavras que ele não percebeu nem ouviu até ao fim, porque só no dia seguinte, já o sol ia alto e o grupo a horas de caminho, acordou perdido e atordoado e com um enorme vazio no coração.
Não se tinha esquecido dos profundos olhos claros de Lucinda onde se sentira afogar. Nem da sua conduta que agora à luz do dia o envergonhava. Sentia-se como alguém que tinha acabado de destruir atabalhoadamente o tesouro mais importante de toda a sua existência. A oportunidade, a única, de ser feliz. Irremediavelmente.
Não mais falaria Pedro, definhando na sua mágoa que lhe encovava os olhos, a cara e o corpo.
Meses passaram, anos passaram, tornando-se numa sombra do que fora.
A única coisa que crescia era o vazio no peito.
Cada vez mais rígido, apático ao que o rodeava, insensível a tudo, parecia estar a tornar-se numa pedra.
De Pedro nunca mais nada se soube.
Reparava quem o conhecera, num vislumbre do seu rosto no alto da pedra, e no enorme buraco no sítio onde deveria estar o seu coração.
O Penedo Furado na Foz do Arelho, sendo de arenito vai-se desfazendo, como se esboroa a vontade dos homens que se deixam vencer pelas vicissitudes da vida.
Pedro de pedra está lá para quem o quiser ver, até que se desmorone vergado aos ventos da passagem do Tempo, engolido pelo vazio que ele próprio criou.
Hélder
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