Mais do que um sobressalto cívico, mais do que um “baptismo” de cidadania, o que se ouviu no passado Sábado por todo o país foi a Democracia (do grego: o governo do povo). A Democracia levantou-se e emitiu um rugido imenso, inequívoco e assombroso que fez estremecer as paredes do poder e colocou em sentido os artificies da tirania. Gente de todas as classes, idades e condições, pessoas das mais variadas profissões vieram para a rua dizer “Basta!”. E a imensidão desse rugido trazia a mensagem clara de que as pessoas se recusam ser exterminadas todos os dias em nome de uns conceitos mal explicados de despesas e investimentos, de um “deve e haver” que acaba sempre para o mesmo lado. A imensidão do rugido veio claramente dizer que a sua religião, os seus ídolos, não são o lucro sem moral, o trabalho sem ética, a especulação sem limites, o controle da espécie por meia dúzia de sombras não definidas que contratam os políticos supostamente eleitos pelo povo para satisfazer a sua agenda de exploração, morte e destruição. Como é que é possível definir num gabinete em Wall Street o sucesso ou o fracasso de uma colheita de trigo três anos antes dela acontecer, e desta maneira decidir da morte ou da vida do agricultor e da sua família, dos preços para o consumidor, etc. ?Como é possível aceitar o parecer de umas agências de “rating” onde os mesmo tecnocratas responsáveis pelas crises económicas decidem também acerca da evolução económica, da vida e da morte dos países, troçando completamente das reclamações de soberania nacional? Só foi possível até hoje porque uma classe de pastores do rebanho ( nunca os proprietários, porque esses não têm rosto) foi contratada para tal. A coberto das eleições periódicas, a coberto de uma suposta escolha do povo nas urnas, esta gente predispõe-se a cumprir uma agenda que não é a dos seus eleitores, dos seus programas eleitorais, e muito menos dos seus países. Apoiados nas divisões dentro da sociedade, confrontando patrões com sindicatos, direita contra esquerda, pretos contra brancos, religiões contra religiões, heterossexuais contra homossexuais, crentes contra ateus, cidadãos contra emigrantes, instalados contra sem abrigo, numa palavra, fragmentando ao máximo o tecido social, dividindo para reinar, a agenda vai sendo cumprida como um rio que atravessa sem obstáculos uma suave pradaria. O que é que mudou nos últimos tempos? Mudaram dois elementos fundamentais: a informação, que circula a uma velocidade estonteante e chega a cada vez mais cidadãos; e a consciência colectiva de que estamos perante um genocídio em marcha, desta vez contra a Humanidade. E é precisamente essa Humanidade que hoje toma consciência de que antes de ser exterminada tem que reagir. Não pode assistir de braços abertos a esta sangria, a este festim de barbaridade que nos quer atirar sem apelo nem agravo para as condições da Idade Média. É esta Humanidade que se vai levantando aos poucos e que diz : Basta! A mesma Humanidade que começa assustar os arautos da burocracia, os exploradores, os enviados da tirania sem rosto.
Diziam os mais cépticos antes de
15 de Setembro: “Isto não vai dar nada. Depois da manifestação eles vão-se
continuar a rir e a fazer a mesma coisa.” Errado! Depois desta demonstração de
mais de um milhão de pessoas distribuídos por 40 cidades, o poder tremeu. Assustou-se.
Começou a manobrar, a marcar reuniões, a discutir entre si. A ideia do rebanho
manso deixou de ser uma realidade. As ovelhas começam a vestir a pele do lobo. Dirão
agora os mesmos cépticos:”Pois sim, a manifestação foi muito além do que se
estava à espera. E agora, o que é que se vai fazer depois? Qual é a alternativa?”.
Pois bem, a alternativa começa
por gritar bem alto que se vamos morrer, não o faremos resignados, cruzando os
braços. Para nos exterminar vão ter que se esforçar bastante porque estamos
dispostos a levantar os braços. Estamos dispostos a resistir. Essa foi a mais importante
mensagem transmitida no passado dia 15. E resistir de que maneira?
Em todas as ruas, em todas as esquinas do
nosso quotidiano, em todas as ocasiões em que for possível agir
individualmente. Como povo, saindo cada vez mais para a rua. Já na próxima
sexta-feira frente ao palácio de Belém. Na semana seguinte noutro lado
qualquer. E na outra semana, e na outra e na outra. Os boys dos partidos
entupiram as veias da sociedade com a distribuição de tachos e cunhas em todas
as direcções, apropriaram-se do tecido produtivo do Estado para satisfazer as
suas clientelas, bloquearam os corredores da justiça. O Governo já mostrou que
não faz tensão de recuar. Está na hora de lhe continuar a dar a nossa resposta.
Nas ruas. Outro governo virá que, se cometer os mesmos erros, voltará a sair. E
outro, e outro, e outro até que percebam que a força não é só do voto numas
eleições subvertidas da realidade. É contra este estado de coisas que é preciso
sair para a rua todas as semanas, todos os dias se for necessário. Defendendo
as nossas vidas, defendendo o nosso direito à vida, estamos a defender a Humanidade.
Artur
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