Neil Jordan
Irlanda, Reino Unido, 2005
Sendo um filme à partida estranho e invulgar, BREAKFAST ON
PLUTO cativa-nos desde a primeira imagem, deixando um rasto de riso incómodo,
uma trágica propensão para a caricatura. O percurso de Patrick pelas esquinas
mais violentas e negras do tempo é essencialmente uma lição de amor e
persistência de um contra todos, ou contra tudo, em nome da individualidade.
Tudo começa na pequena aldeia de Tyrellin, próximo da
fronteira da Irlanda do Norte, no ano de 1940, quando Patrick é abandonado pela
mãe à porta da sede da paróquia e recolhido pelo padre Liam. Adoptado por uma
família de acolhimento, Patrick cedo se transforma num incómodo permanente,
seja pelo ostensivo comportamento de um rapaz que se quer transformar numa
mulher, seja pela revelação de ter sido concebido pelo padre e pela governanta.
Patrick rapidamente se transforma em Patrícia e depois em “Kitten”, pouco antes
de fugir de casa e apanhar boleia de uma banda de rock, envolvendo-se com o vocalista.
Billy instala “Kitten” numa roullotte isolada perto do mar, que era ao mesmo
tempo esconderijo de armas do IRA. Irwin, um dos seus amigos, com grande
contestação da namorada Charlie, junta-se ao exército de libertação. Quando um
carro armadilhado vitima o seu outro amigo, Lawrence, “Kitten” decide pegar nas
armas escondidas e atirá-las ao mar. Quando o IRA percebe o que aconteceu só
não o executa porque o julga completamente maluco da cabeça. Kitten parte então
para Londres, em fuga dos ares pesados da luta armada e em busca da sua mãe.
Segue-se um périplo acidentado de encontros e desencontros,
desde um relacionamento amoroso com um mágico que sempre soube que Kitten era
um homem, até ao reencontro com a mãe sem no entanto lhe dizer quem era, passando
por uma casa de “peep show” onde o pai/padre o visita e convida para vir morar
com ele na Irlanda.
Baseado no romance com o mesmo título de Pat Mc Cabe, a
adaptação para filme sofreu várias alterações. Jordan e Mc Cabe começam por
tirar o nome “Pussy” e substituir por “Kitten” em relação ao protagonista. Por
outro lado, enquanto que no livro o protagonista se envolve em múltiplas cenas
de sexo explícito tanto com homens como com mulheres, tendo mesmo com alguns
estabelecido relações de longa duração, no filme não vemos sequer “Kitten” a
dar um beijo na boca em
ninguém. A opção formal foi a de privilegiar o poder de
sugestão. Kitten não é mostrada abertamente em contactos sexuais, apenas se dá
a entender que assim é, ou se supõe, transformando o personagem num ser ainda
mais frágil e mais ingénuo do ponto de vista da sua perversidade.
A cena junto ao mar com o mágico Bertie é apontada por
muitos como uma alusão ao filme anterior do mesmo realizador, THE CRYING GAME,
que também envolvia a transexualidade num dos personagens. Se em THE CRYING GAME ,
o homem se apaixona por uma mulher que é afinal um híbrido (transexual) com o
espanto e a reacção violenta que se segue, em BREAKFAST ON PLUTO ,
quando Kitten confessa a Bertie que não é uma mulher, a resposta é: “Eu já
sabia.” O beijo que ele se preparava para lhe dar fica como que suspenso,
interrompido perante a confissão.
Mais ingénuo, menos perverso, e mais frágil, Kitten acaba
por atravessar o seu tempo numa luta desesperada contra o mundo, empenhado em
sobreviver e, principalmente, em manter viva e activa a sua identidade. E é
neste ponto que o filme consegue alcançar a sua força máxima expressiva.
Dando-nos uma lição sobre a diferença, a procura do amor e a relativizar a
importância da maior parte das coisas que nos acontecem na vida. Mesmo as
grandes tragédias devem ser relativizadas à medida da nossa sensibilidade, à
medida da nossa capacidade para não escondermos quem somos nem nos desviarmos
daquilo que queremos. Só assim poderemos continuar vivos…
Artur
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