quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O DIA EM QUE NIETZSCHE CHOROU



Pinchas Perry

EUA, 2007

Estamos em Viena nos finais do séc. XIX. Louise von Salome, uma jovem poetisa russa procura os serviços do eminente Professor Dr. Josef Breuer no sentido de ajudar o seu amigo Friedrich Nietzsche, vítima de uma série de doenças misteriosas. As crises suicidárias persistentes que têm vindo a assombrar aquele brilhante e revolucionário pensador, correm o risco de se precipitarem num trágico e derradeiro fim. O recente método de tratamento experimentado pelo famoso médico, a cura através do diálogo com o paciente, é a sua última esperança. Apesar da recusa inicial do pensador em ser tratado por razões económicas, Breuer monta um sistema onde vai incluir o seu jovem assistente Sigmund Freud. Breuer finge ser ele o paciente e Nietzsche o portador da cura. Utilizando o método do diálogo enquanto terapia, o médico vai então dar início ao seu trabalho. Mas não é só o filósofo a sofrer com os seus demónios mentais. Também Breuer vive em desespero, acometido por insónias, pesadelos e uma obsessão destrutiva por uma paciente antiga. Assim começa um longo diálogo entre dois seres intelectualmente superiores que enquadra alguns dos aspectos mais relevantes do pensamento de finais do séc. XIX, pensamento esse que acabaria por entrar pelo século seguinte enquanto referência de influência.
Baseado no livro com o mesmo título, da autoria do Psiquiatra e Académico Irvin Yalom, o filme segue a mesma linha narrativa, não se baseando nenhum deles integralmente na realidade. De facto, o que o autor constrói é uma sucessão provável de acontecimentos, uns reais outros ficcionais, misturando-os numa sequência que respeita de uma forma honesta, tanto personagens como as suas vidas e características.
Estamos perante aquela tripla realidade plena (ler o livro, ver o filme, comprar a t-shirt), em que vale a pena apreciar todas e cada uma das dimensões desta interessante narrativa.
Servido por um lote de excelência de actores (Armand Assante/ Ben Cross/ Katheryn Winnick), este filme de produção independente ocupa o seu espaço sem dificuldades aparentes, desenrolando-se com tranquilidade à medida que aborda uma temática complexa, ou, pelo menos, de elaborada explanação.
Sabemos que muitos dos factos contidos na narrativa são reais, tal como os personagens principais. Provavelmente Nietzsche e Breuer nunca se encontraram, mas o médico e o pai da Psicanálise associaram-se para a feitura do livro “Estudos sobre a Histeria”. O tempo e o lugar da narrativa são também concordantes com a realidade. Apesar de não haver registo do encontro entre Lou e Breuer, nem sequer da preocupação da aristocrata russa pelo seu amigo, Nietzsche esteve em Viena naquele período. A Primavera de 1882 e o Inverno de 1883, foi um período bastante conturbado na vida de Nietzsche, como se pode inferir da sua correspondência. Lou, Paul e a sua irmã Elizabeth são destinatários de um estado de espírito de depressão e alienação. Mas é também durante este período que Nietzsche dá um novo rumo à sua vida intelectual, culminando com o fim do primeiro capítulo de “Assim Falava Zaratustra”.
A cuidadosa descrição da relação entre os primórdios da psicanálise e psicoterapia, e o pensamento filosófico de Nietzsche é a chave do sucesso desta narrativa. Enquanto a terapia psicanalítica se começava a desenvolver na direcção do tratamento da histeria, o séc. XIX assistia na civilização ocidental ao emergir do pessimismo existencialista. Kirkegaard, Dostoievsky, ou mesmo o poeta Holderling eram marcos deste sentimento. Nietzsche era outro dos exploradores desse desespero. Juntando o especialista da histeria com o do desespero, o que Yalom conseguiu foi levantar uma interessantíssima série de questões acerca da relevância da Filosofia Existencial na Psicanálise, e sobre o lugar da Ciência na vida humana. Ao acompanhar os diálogos entre dois seres desesperados, ambos convencidos que estão a ajudar o outro, médico e paciente perdem-se numa área turva e incerta, um fenómeno de inversão de lugares, que é em si uma interessante ligação histórica ao período em questão.

Artur

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