sexta-feira, 16 de julho de 2010

LIBERTARIAS



Vicente Aranda

Espanha, 1996

Espanha, 1936, princípios da Guerra Civil. As ruas enchem-se de gente que grita e se manifesta armada para defender a Republica contra a sublevação do exército nacionalista. Declarada a guerra, fica aberto o movimento “dentro e fora” das cidades e povoados, dos que fogem e dos que entram. Entram as forças revolucionárias anarquistas em Barcelona, foge a maior parte do clero. Maria (Ariadna Gil), jovem freira, é uma delas. Forçada a deixar o convento e muito longe de casa, encontra-se sozinha numa cidade onde não conhece ninguém. Ao fugir para dentro de um prédio repara numa pagela de um Sagrado Coração de Jesus a decorar a porta de entrada de um dos apartamentos. Julgando ser gente religiosa, não hesita e bate à porta. Afinal a religiosidade da entrada apenas escondia um bordel. Mal refeita ainda da surpresa, Maria vê chegar um grupo de combatentes que lhes explica as novas regras. Ou se vão embora de volta para casa ou se juntam a eles no combate. A prostituição acabou. A partir daquele dia as mulheres só se deitariam com os homens se assim o desejassem. Por sua vontade. Sob o comando de Pilar (Ana Belén), a nova secção de combate feminina (onde se inclui uma médium aleijada (Victoria Abril)), ruma agora a Saragoça.
(As Libertarias no filme)
É neste ritmo frenético, de acontecimentos a tombar sobre acontecimentos, sem tempo de respirar, que nos introduzimos na Guerra Civil Espanhola.
Após vinte anos de maturação, Aranda consegue construir um autêntico épico ao homenagear as mulheres, bem como o seu papel na guerra. Acompanhando cada uma das personagens vamo-nos aproximando de alguns aspectos do conflito e percebendo ao mesmo tempo a dimensão da sua importância que fascinou (e continua a fascinar) várias gerações em todo o mundo. Se Pilar encarna uma perfeita guerreira feminista, Charo (Loles León) é a prostituta de coração de ouro, Maria a inocente e Floren (a médium) a adivinha. Se lhe juntarmos um padre (Miguel Bosé) totalmente trocado em termos de moral, temos o grupo perfeito que nos leva a uma visita guiada às divisões humanas da guerra.
Em primeiro lugar o lado dos ideais. Os anarquistas enquanto libertadores de todos os oprimidos em busca de uma utopia igualitária; as mulheres enquanto elementos integrantes da luta, lado secundarizado e explorado da sociedade patriarcal, a exigirem um lugar no conflito para mais tarde reclamarem o seu espaço no triunfo; a luta política tanto contra os nacionalistas como os sectores tradicionais da esquerda, empenhados numa estrutura militar rígida e disciplinada; a derrota desses ideais em toda a linha. As cenas mais caricatas (o suicida fascista na varanda) e as mais patéticas e piegas, reforçam apenas o carácter simples e o espírito de entrega de cada um. Em comum sabem que preferem morrer de pé a passar uma vida inteira de joelhos.
(As verdadeiras Libertarias)
Desde a motivação política até à guerra de costumes, passando por momentos de grande coragem e sacrifício, LIBERTARIAS é uma homenagem às mulheres e a todos aqueles que se esforçaram ao longo da história para transformar a espécie humana numa vivência de “integração” em vez de “separação”.
Foram estes homens e mulheres, utópicos? Claro que sim! Mas os seus ideais acabaram por se tornar realidade duas gerações depois. O que só prova que a Utopia é tudo aquilo que ainda não foi feito.

Artur

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