sexta-feira, 30 de maio de 2008

AQUELES QUE (SE) PERDEM

O mais simples dos gestos cinematográficos, fazer, por exemplo, um plano fixo, gravar uma entrevista, filmar uma rua, montar um arquivo, o mais simples desses gestos equivale a colocar em suspenso o mundo. E, no mesmo processo, a pôr em movimento o sentido. O sentido em movimento, é aquele que me lança na perplexidade das escolhas, na procura de pontos de vista, mas é sobretudo aquele que me leva consigo, me põe em movimento consigo e me faz sentir rapidamente que esse lugar do espectador é em si mesmo relativo e que é nessa incertitude essencial que preciso de me apoiar quando estou no cinema.
Ver/não ver; saber/não saber; crer/não crer: são estas oposições que definem e resumem a relação do espectador com o filme, constituindo essencialmente jogos basculantes. Um (ver, saber, crer) não existe sem o outro, seu contrário. Melhor: os dois pólos cruzam-se e trocam as respectivas polaridades. Oscilações. O lugar do espectador está todo contido nessa passagem contrariada. Colocar a questão da sua própria credulidade, para se defender, se queixar, troçar, desafectá-la ou colocá-la numa distância irónica, faz retornar à relação dialéctica, fazendo-a supôr activa, tensa e perigosa. O espectador de cinema não poder deixar de acreditar. O não-iludido, aquele que não se deixa iludir ou que lamenta tê-lo sido não vai ao cinema. Contenta-se em passear a sua cegueira no teatro da vida (?). O outro, o espectador de cinema experimenta o tecido, ou melhor, a tessitura daquilo que para ele faz sentido
Se bem que conhecida, a coisa é negligenciada: aquilo que a experiência da sessão cinematográfica mobiliza no seu espectador é acima de tudo a incertitude: incertitudes perceptivas, cognitivas e afectivas. Esse princípio de hesitação é o princípio da aprendizagem: aquilo que o cinema faz é confrontar o espectador com os seus limites.

2 comentários:

Anónimo disse...

Como o ilusionismo.
O espectador sabe que se trata de uma ilusão, mas força-se a acreditar nela, a olhá-la como se verdade se tratasse. Só assim será (será mesmo?)possível ultrapassar a linha do nosso próprio imaginário/vivência e ficarmos finalmente entregues à ilusão, à história.

Carlos Lopes disse...

Mais um excelente texto, Arnaldo. E, já agora, mais uma pergunta para quem tudo sabe (enfim...) sobre cinema. Aqui vai:

Qual é o filme, julgo que francês, que se passa num ambiente meio onírico, numa velha casa campestre onde reside uma velha que nunca sai da cama e que mal fala e um casal que a alimenta. Há também uma jovem rapariga que se perdeu no seu caminho e que vai ter à dita casa e anda pelos seus jardins e encontra um unicórnio por lá a passear? É tudo o que sei dizer sobre este filme que vi há anos na RTP2 e que me fascinou bastante. Será que também tenho resposta positiva para esta pergunta? Obrigado, Arnaldo.