quinta-feira, 17 de abril de 2008

A MORTE DA MEMÓRIA

Ninguém sabia afirmar com grande certeza em que dia é que os palhaços tinham tomado conta dos destinos do circo. Aliás, naquele momento era o que menos podia importar… a data desse dia. O circo amanheceu como um breve esqueleto fossilizado de onde pendiam memórias de estruturas anteriormente sólidas em forma de cinzas. Tudo estava terminado. Acabavam-se empregos, actividades, vidas e sonhos do tamanho do universo daquela gente toda que agora olhava sem forças para fazer mais nada o desfazer de uma estrutura onde cabiam todos os seus dias. Em roupão, barbas por fazer, redes nos cabelos frisados em ferros quentes de improviso, ali estavam a admirar o vazio dos dias que se lhes iam seguir.
Ninguém se conseguia lembrar como é que começou… a comunicação foi-se tornando curta como os dias de Inverno, até se silenciar. Encolheu em ondas cada vez menos seguidas, cada vez menos audíveis, até passar do não entendimento ao silêncio total.
Os componentes do folclore do afecto tornaram-se sombras, depois memórias, e depois coisa nenhuma. Um beijo, uma carícia, um toque solidário no ombro. Ninguém se lembrava do momento em que tinha terminado a capacidade da expressão do amor.
A praia foi ficando cada vez maior, alargada de areia até não haver água. A floresta foi ficando careca, ardida, seca, sem animais, até ser um ermo impessoal, sem rosto nem cor. Só algumas pedras restavam para a identificar.
A existência foi caindo no correr da rotina, perdendo o sentido até ter sentido nenhum. Ausente de direcção foi ficando também ausente de razão. Por isso deixou de existir.
Os direitos humanos foram vendidos em troca de um prato de lentilhas, em nome de uma funcionalidade falsa de razões, colocando no mercado a dignidade e a cidadania a preços acessíveis ao comprador.
E ninguém se conseguia lembrar onde nem como tudo tinha começado. Uma cortina de denso esquecimento apagou a memória e a consciência como um nevoeiro propositado saído de lado nenhum. Ninguém se conseguia lembrar como é que o tempo ali tinha chegado em forma de fim. Apenas que tinha acabado daquela maneira estúpida e inglória sem sentido. Uma maneira de acabar que terminou assim, mas que se calhar não era obrigatório de acontecer. Se ao menos alguém se tivesse lembrado como é que começou talvez se pudesse ter tido outra atitude de evitar o pior. Mas não… O pior costuma ser sempre a única opção para quem não se lembra como é que as coisas começaram…
ARTUR

1 comentário:

Anónimo disse...

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