segunda-feira, 26 de maio de 2025

ENQUANTO CONSEGUIRMOS RESPIRAR




 

Vigésimo sexto dia do quinto mês de dois mil e vinte cinco.
Ainda imersa nas emoções do mês que foi tanto de tão bom e de tão mau, a elevar o bom e a raspar o mau da pele, com lixa, raspadeira, faca e buril. Vale-me um mergulho no líquido amniótico que circunda esta ilha de Maria, o amor de filhos, amigos, animais e plantas, que tudo se recompõe devagar, se tece como a uma manta de materiais preciosos e se reconstrói como os dias de sol que procedem as noites mais escuras.
Respira Elsa, como o menino da Loja Mágica e vê que o essencial está igual e o inevitável perdido para sempre. Hoje já não sou ontem nem mês passado, porém sou aquilo que me faz melhor, mais serena, mais triste, mais contente, mais forte e verdadeira, confiante no passo de cada pé, no inspirar de cada alvéolo, no expirar das emoções contaminadas pelo dejectos do planeta. Não basta orar para pedir ou emendar, há que agir à escala do nosso tamanho, revoltar com lutas que são como o bater de asas duma borboleta, influenciar pequenos comportamentos até serem grandiosos. Não basta escrever coisas fofas, fotografar paisagens idílicas, copiar e colar textos que traduzem o nosso estado de alma, nem fingir para não parecer a tristeza do nosso sentir. Desde quando é que temos que ignorar quando alguém nos trata mal? Em que altura é que isso começou? Achas que mereces ser maltratada? Porquê? Quem te disse, e em que altura da vida, que merecias ser lixo em vez de terra fértil? Eu sei que é difícil. Eu cresci a ouvir a pessoa mais importante da minha existência a dizer que ninguém tem o direito de me roubar o sorriso. Quando comecei a pensar comecei a entender que aquilo que queremos para quem amamos tem que ser igual ao que queremos para nós. O exemplo vem de dentro e depois segue fluido.
E se derem porrada na tua vizinha, matarem a filha dela por estar com um grande decote, degolarem o neto porque era da família delas, decapitarem o marido filho e genro, por estar a plantar batatas no quintal que achavam seu, vais ignorar ou agir? Telefonas para o 112, não é? Ou vais aos saldos antes que acabem?
-Não é comigo, não vou intervir.
-Não me vou queixar, porque eles até me tratam bem quando nos cruzamos na missa.
-São vizinhos, não é cá em casa!
- A comida deles cheira mal.
- São demasiado escuros para sentir.
- O rapaz até andava de batom e a prima parece um rapazinho.
Desde quando é que ficamos assim? Quem é que nos fez tanto mal que agora nos faz ignorar o pior que está a acontecer?
Vivemos interligados, seja neste pequeno torrão de terra, seja no maior. Baixar a cabeça, virar a cabeça, não é opção. Beber uns copos e consumir todas as drogas para esquecer, também não. Levar porrada com punhos ou palavras, também não. Votar nos gajos errados, não é de certeza, mas o tempo encarrega-se sempre de repor os enganos.
Vivemos tempos em que todos os idiotas têm uma arma, esta onde me lêem ou apagam. Vivemos tempos em que a massa cinzenta encolhe a cada Gosto.
Vivemos a ignorar o óbvio a exaltar abstrações criadas por inteligências artificiais que gastam trinta litros de água por cada coisa que aprendem.
Respira, Elsa, como o menino da Loja Mágica, e contempla a árvore que já não está, o verde que se fez amarelo de tanto o envenenaram. Respira, enquanto tiveres ar para respirar.
Hoje, sou mais, do que ontem ou no ano passado. Sou, simplesmente, eu. Com Amor.

Elsa Bettencourt

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