quarta-feira, 16 de abril de 2025

O MEU TEMPO PREFERIDO



Décimo sexto dia do quarto mês de dois mil e vinte cinco.
Este é o mês preferido do ano preferido porque é neles que estou. Não há dia em que não festeje a liberdade ou que não me debata pela falta dela. Voltei a ver notícias e nem lamento não estar surpresa pela desesperança instalada no planeta, no entanto, e cada vez mais, tenho mais esperança em cada um de nós, no contágio das coisas boas e na expansão dos corações amorosos. Tenho dado espaço à doçura que habita em mim desde sempre e tenho-a deixado fermentar lentamente à temperatura do meu peito. Sou a prova viva de que é possível ser paz em tempos de guerra, ser cómica em dias tristes, ser mentira perante a violenta verdade da agressão, seja ela de que natureza for. Muitas vezes dou por mim a rir à gargalhada quando ouço comentários simpáticos sobre qualquer agressor:
- Tão educado!
- Muito bem disposta!
- Oferece-nos sempre o café.
- Todas as semanas nos oferecia ovos.
- É tão asseada.
- Sempre com uma palavra gentil.
Só podendo usar os meus exemplos que foram mais do que desejaria para alguém, gostaria de reforçar que é sempre assim. Só dentro do seu ambiente é que se revelam. Seja por estar um objeto fora do lugar pretendido, por falares com alguém tempo demais, por olhares para outra pessoa, ou por expressares a tua opinião contrária à dele. Marcas físicas atrozes, em mim, só em 1988, quando uma vassoura pousou nas mãos dum namorado da altura e despencou nas minhas costas. O rapaz era tímido e educado mas não estava contente porque eu ia para Montreal durante três meses. Resolveu expressar a sua indignação na véspera da partida, no meio duma festa de carnaval, enquanto conversávamos no jardim. Para me proteger só tive tempo para me fechar em concha sobre um arbusto. A vassoura tinha um cabo de madeira e perdi a conta das vezes que bateu nas minhas costas. Pela primeira vez na vida não contei nem à minha mãe o que me tinha acontecido. No avião fui sentada na beira da cadeira sem nunca me encostar. Cheguei a Montreal e tinha o meu amigo Marcel à espera. A namorada dele era socióloga e trabalhava num centro de socorro a mulheres espancadas. Depois de ver a peça de teatro que as crianças tinham preparado para mim, chamei-os à parte e contei. Pela primeira vez vi o tamanho das minhas dores quando as mostraram ao espelho. Vergões vermelhos,roxos e negros da nuca até à base da coluna. Dez, quinze, sei lá. Uma mão cheia de amigos cuidaram de mim e foram o maior bálsamo que poderia ter para qualquer dor ou ferida.
Falei com a mãe ao telefone. Lembrei-lhe duma conversa que costumávamos ter em que ela me dizia que a falta de amor tem consequências físicas, para eu não levar a mal, mas para me retirar a tempo.
Foi o que fiz, mamã.
É o que faço, meu amor.
Aprendi com o tempo que serei sempre uma presa fácil se não me retirar a tempo. Aprendi também a ler a agressividade antes dela acontecer. Aprendi as medidas de antecipação e o tamanho da minha fragilidade. Aprendi que a agressão psicológica é muito maior do que qualquer vassourada. Aprendi e continuo a aprender que o silêncio e o isolamento são os nossos maiores inimigos. Aprendi que os amigos não merecem ser os nossos terapeutas porque nos amam e por isso temos que procurar ajuda técnica para nos curarmos.
Aprendi que nunca perco a esperança, que adoro a natureza humana no seu melhor e que a desprezo no seu pior. Continuo a aprender que não há dor que deva ser ignorada, nem amor que deva ser calado.
E, só agora, estou a aprender a amar-me.

Elsa Bettencourt
 

 

segunda-feira, 14 de abril de 2025

CARLOS MATOS GOMES/ CARLOS VALE FERRAZ

 




Faleceu Carlos Matos Gomes, capitão de Abril, aos 78 anos, em Lisboa.
Nasceu em Vila Nova da Barquinha, em 1946, fez os seus estudos no Colégio Nun'Álvares, em Tomar, onde conheceria Salgueiro Maia. Coronel do Exército, cumpriu três comissões na guerra colonial (Moçambique, Angola e Guiné), nas tropas especiais «comandos». Fez parte da primeira comissão coordenadora do Movimento dos Capitães, na Guiné. Pertenceu à Assembleia do MFA durante o ano de 1975.
Investigador de História Contemporânea de Portugal, publicou dezenas de títulos em nome próprio e em coautoria com Aniceto Afonso Guerra Colonial, entre outros. Sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz, publicou dezenas de romances, tendo sido Prémio Literário Fernando Namora em 2018.