sábado, 6 de dezembro de 2025

A DANÇA DO CAOS



 

 

Enquanto o caos vai tomando conta da decoração dos dias vou tentando aproveitar o tempo, ter espaço para respirar e viajar para dentro de mim. A situação já não é nova (nunca foi) só que desta vez tenho a possibilidade do isolamento como um nadador veterano que já não sente tão forte a necessidade de mergulhar todos os dias no mar. Enquanto nada muda para melhor e tudo regressa em vagas sucessivas de falta de lógica e de destruição vou-me aproximando rapidamente do fim de um ciclo, o meu ciclo. E, sinceramente não tenho medo nenhum nem vontade de voltar atrás. Haveria ainda muito para viver ou aprender vivendo? Com certeza que sim, mas a viagem está sempre em movimento e as lições não se apresentam todas da mesma forma nem sequer ao mesmo tempo. A razão transformou-se num concurso de feira em que vende mais o comerciante que berrar mais alto. O Conhecimento foi transformado em apenas mais uma bugiganga que se questiona ou vende como qualquer mercadoria anónima.  As referências dissolveram-se, a mediocridade continua a sua marcha triunfal. Somos seres imperfeitos e muito confortáveis com a nossa imperfeição. Toda a nossa energia está concentrada nas mais primárias necessidades e na obsessiva e imediata satisfação do ego. Basicamente faço parte de uma espécie animal que destrói muito para lá daquilo que necessita, seja para se alimentar seja para o seu habitat. Uma pertença que não me dá qualquer motivo de orgulho e que me cansa cada vez mais.  Dias houve em que conseguia lidar bem com isso. Dias houve em que condescendia sempre na esperança de dias diferentes, na escolha de alternativas. Dias houve em que me remetia ao silêncio ou à concordância por omissão. Hoje acabou-se essa tolerância. Não quero ver nem falar com ninguém para lá do estritamente necessário. Tenho livros que cheguem para passar o tempo, tenho música, tenho filmes. Quando me apagar tudo isto ficará por aqui na mesma que sempre foi. Pessoas, planeta, animais, plantas, caos, destruição, reconstrução, esperança, degradação e caos outra vez.

Todos querem saber de si e ninguém quer saber de nada. A banalidade do mal, a irracionalidade da condição humana que só que consegue corrigir (ainda que de forma temporária) à força de morte e destruição. Este movimento permanente de extermínio da espécie sobre si própria que nunca enfraquece, este asilo de loucos orientados por lógicas absurdas, esta demolição permanente de se poder viver com qualidade e equilíbrio.

Um índio perdido na noite executa a dança da chuva em frente a uma fogueira, uma velha de costas curvadas carrega através da neve um molho de lenha para se poder aquecer, uma criança desenha a figura da mãe a giz no chão num orfanato para poder dormir ao pé dela. E a corrida de nós todos contínua, sem parar a caminho de lado nenhum, sem tempo para reflectir, sem olhos para ver, sem mãos a medir. O caminho desenfreado do ciclo de cada um a caminho do fim e a ausência de razão num inferno permanente.

Um índio perdido na noite executa a dança da chuva, um homem isolado escreve desenfreado as insónias que o assombram e depois é Natal, e depois mete-se o Verão. E vai e volta, vai e volta até ser fim.

 

Artur

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A UM SOL QUE BRILHA AGORA


 

Quarto dia do décimo segundo mês de dois mil e vinte cinco.
Tenho escrito bastante e publicado por aqui muito pouco. A minha passagem de ano foi no primeiro de outubro e os maiores presentes chegaram nesse mês como no Natal. Agora é consolidar o trabalho de mais de dois anos em terapia, o cuidado, o respeito, o mimo, a paciência com mãos cheias de amor, para comigo. Estar rodeada por água num torrão de terra que é tão berço como aprendizagem não é coisa leve, não é para meninas de cabeça de vento e sim para senhoras que sabem o que fazem, para onde caminham mesmo na escuridão. Há que ter competências, priorizar sempre o amor próprio e o conforto extremo dentro do desconforto de não estar a um braço de distância daqueles que me tocam mais. Ao longo do ano que agora termina fui priorizando afetos dentro das causas, consolidando laços dentro dos projetos, verbalizando necessidades dentro da abundância, enumerei faltas dentro das presenças, partilhei sentimentos e pensamentos em momentos que tudo parecia feito e dito. Há como uma medula nova dentro deste corpo que se recria em espírito musculado, dando especial atenção ao sentir e pressentir.
Vejo muita tristeza, muita luta inglória, muito desgaste no mostrar em vez de ser, muita afirmação colada e copiada vivida no vazio do conteúdo digital.
Nos intervalos, que são maiores do que cada episódio, remeto-me às obrigações do lar, impostas de mim para mim sem nenhuma intervenção do ego e para o colocar no devido sítio. Desde limpar o pó a lavar o chão de quatro com o afinco de quem faz uma mandala, a cavar um metro de terra ou a fazer casas para os residentes alados e terrestres com a dedicação duma arqueóloga acabada de formar, vale tudo até a educação complementar dos animais que são a família mais próxima e a minha maior responsabilidade. Pelo caminho apanho espinafres selvagens, lancho capuchinhas, recolho pinhas para eventos natalícios, catalogo as árvores novas, tomo um duche gelado, leio a poesia que me sustenta, bebo chá de alecrim que é alegria e pensamento aguçado, sento-me a meditar entre os amigos peludos que me acompanham. Aí converso, neste silêncio, com os meus passados que já desencarnaram, viajo com eles dentro de todas as palavras que trocamos antes e trago-as até ao presente. O sol que brilha agora, antes era uma chama pequenina atrás dum céu cheio de nuvens. Essa luz faz diferença entre o dia e a noite, e é ínfima perante a luz que tenho que manter acesa no centro da existência. É o santo graal de cada um de nós, a responsabilidade de ser melhor, mais gentil, para conosco. Amem-se, não se distraiam com o ruído digital. Cuidem-se, não deixem nenhum milímetro por cuidar. Procurem ajuda técnica para os pensamentos corrosivos. Aceitem uma massagem pelas mãos de quem sabe recolocar a vossa essência no lugar. Combatam os movimentos ditatoriais com movimentos amorosos para com o próximo. Abracem mais, dancem muito, cantem pra caraças até abrir cada alvéolo pulmonar. Estiquem-se. Dobrem-se. Alonguem-se até à folha mais alta e agradeçam até à raiz mais profunda.
Com Amor.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

POWDERFINGER

 Look out, Mama, there's a white boat comin' up the river

With a big red beacon and a flag and a man on the railI think you'd better call John'Cause it don't look like they're here to deliver the mailAnd it's less than a mile away, I hope they didn't come to stayIt's got numbers on the side and a gun, and it's makin' big waves
Daddy's gone, my brother's out huntin' in the mountainsBig John's been drinkin' since the river took Emmy LouSo the powers that be left me here to do the thinkin'And I just turned 22, I was wonderin' what to doAnd the closer they got, the more those feelings grew
Daddy's rifle in my hand felt reassurin'He said, "Red meant run, numbers add up to nothin'"When the first shot hit the docks, I saw it comin'Raised my rifle to my eye, never stopped to wonder whyThen I saw black, and my face splashed in the sky
Shelter me from the powder and the fingerCover me with the thought that pulled the triggerJust think of me as one you'd never figuredWould fade away so young, with so much left undoneRemember me to my love, I know I'll miss her


Neil Young and Crazy Horse

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Caravelas (Elsa Bettencourt)

Vídeo acabado de sair do forno, feito por mim com composição de Darrell Kastin, produção do querido Pedro Barroso, 2011. Do álbum Mar Português, um tributo a Florbela Espanca e Fernando Pessoa, inspirado nas preferências poéticas da musa Elisabeth Elis Figueiredo Kastin.
Vão lá gostar do meu canal que está adormecido há mais de dez anos. Agradecida

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

THE HOLLOW MEN

   We are the hollow men

    We are the stuffed men
    Leaning together
    Headpiece filled with straw. Alas!
    Our dried voices, when
    We whisper together
    Are quiet and meaningless
    As wind in dry grass
    Or rats' feet over broken glass
    In our dry cellar
   
    Shape without form, shade without colour,
    Paralysed force, gesture without motion;
   
    Those who have crossed
    With direct eyes, to death's other Kingdom
    Remember us-if at all-not as lost
    Violent souls, but only
    As the hollow men
    The stuffed men.

   
                              II

    Eyes I dare not meet in dreams
    In death's dream kingdom
    These do not appear:
    There, the eyes are
    Sunlight on a broken column
    There, is a tree swinging
    And voices are
    In the wind's singing
    More distant and more solemn
    Than a fading star.
   
    Let me be no nearer
    In death's dream kingdom
    Let me also wear
    Such deliberate disguises
    Rat's coat, crowskin, crossed staves
    In a field
    Behaving as the wind behaves
    No nearer-
   
    Not that final meeting
    In the twilight kingdom

   
                    III

    This is the dead land
    This is cactus land
    Here the stone images
    Are raised, here they receive
    The supplication of a dead man's hand
    Under the twinkle of a fading star.
   
    Is it like this
    In death's other kingdom
    Waking alone
    At the hour when we are
    Trembling with tenderness
    Lips that would kiss
    Form prayers to broken stone.

   
                      IV

    The eyes are not here
    There are no eyes here
    In this valley of dying stars
    In this hollow valley
    This broken jaw of our lost kingdoms
   
    In this last of meeting places
    We grope together
    And avoid speech
    Gathered on this beach of the tumid river
   
    Sightless, unless
    The eyes reappear
    As the perpetual star
    Multifoliate rose
    Of death's twilight kingdom
    The hope only
    Of empty men.

   
                            V

    Here we go round the prickly pear
    Prickly pear prickly pear
    Here we go round the prickly pear
    At five o'clock in the morning.

   
    Between the idea
    And the reality
    Between the motion
    And the act
    Falls the Shadow
                                    For Thine is the Kingdom
   
    Between the conception
    And the creation
    Between the emotion
    And the response
    Falls the Shadow
                                    Life is very long
   
    Between the desire
    And the spasm
    Between the potency
    And the existence
    Between the essence
    And the descent
    Falls the Shadow
                                    For Thine is the Kingdom
   
    For Thine is
    Life is
    For Thine is the
   
    This is the way the world ends
    This is the way the world ends
    This is the way the world ends
    Not with a bang but a whimper.



T.S. Elliot

domingo, 24 de agosto de 2025

LUIS LUCAS


 



                                                                            1952 - 2025

sábado, 23 de agosto de 2025

AI PORTUGAL, PORTUGAL...

 Portugal é como um hotel de luxo ocupado por hordas de estudantes do secundário em viagem de finalistas...

quarta-feira, 4 de junho de 2025

EDUARDO GAGEIRO


 

                                                                           1935  -  2025

quinta-feira, 29 de maio de 2025

PICTURES OF YOU (lyrics)

 I've been looking so long at these pictures of you

That I almost believe that they're realI've been living so long with my pictures of youThat I almost believe that the pictures are all I can feel
Remembering you standing quiet in the rainAs I ran to your heart to be nearAnd we kissed as the sky fell in, holding you closeHow I always held close in your fearRemembering you running soft through the nightYou were bigger and brighter and wider than snowYou screamed at the make-believe, screamed at the skyAnd you finally found all your courage to let it all go
Remembering you, fallen into my armsCrying for the death of your heartYou were stone white, so delicateLost in the coldYou were always so lost in the darkRemembering you, how you used to beSlow drowned, you were angelsSo much more than everythingHold for the last time then slip away quietlyOpen my eyes, but I never see anything
If only I'd thought of the right wordsI could have held on to your heartIf only I'd thought of the right wordsI wouldn't be breaking apart all my pictures of you
Looking so long at these pictures of youBut I never hold on to your heartLooking so long for the words to be trueBut always just breaking apartMy pictures of you
There was nothing in the world that I ever wanted moreThan to feel you deep in my heartThere was nothing in the world that I ever wanted moreThan to never feel the breaking apartMy pictures of you

The Cure
Traduzir para português

terça-feira, 27 de maio de 2025

O EUTANASIADOR


 

"Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois.” 

  Albert Camus 

 

 

 

 

Texto: Paula Guimarães 

 

Encenação: Diogo Infante 

 

Interpretação: Sérgio Praia 

 

Exibição até 29 de Junho no Teatro da Trindade 

 

 

A morte é a questão mais absoluta de todas as civilizações. O suicídio é o tema mais absoluto de toda a Filosofia. No modo como lidamos e reflectimos um e outro conseguimos encontrar a medida e o relacionamento com os nossos padrões de cultura, a nossa organização mental, o entendimento de nós próprios. 

Um homem apresenta-se-nos no palco, separado do público através de um gradeamento prisional. Uma voz off procede ao interrogatório. O crime de que é acusado? O homicídio de várias pessoas por vontade das mesmas. A partir daqui partimos numa viagem alucinante onde são descritas histórias de várias pessoas que, tendo escolhido a morte não tiveram a força ou a coragem de o fazer sozinhas. Por isso recorreram aos serviços deste homem, o Eutanasiador, que as ajudou a cumprir a sua vontade. Escolhendo o processo, assinando um contrato de prestação de serviços, assumindo a sua escolha para memória futura. 

E ao longo deste quase monólogo vamos assistir ao desenrolar de um enorme novelo de questões que são mais familiares no nosso quotidiano do que à primeira vista poderiam parecer. Logo à cabeça o direito à escolha. O direito de um indivíduo decidir soberanamente acerca do términus da sua existência, a figura clássica do suicídio. A dignidade de morrer minimizando o sofrimento e a degradação inevitáveis do corpo. A fronteira entre o conceito de crime e o de culpa. 

Apresentando-se como um ser amoral, hedonista, insensível e sedutor, o Eutanasiador acaba por se revelar ao mesmo tempo um assassino material, um manipulador e um manipulado. Fascinado pela morte vê ao mesmo tempo nessa actividade um “nicho de mercado”, uma forma de ganhar dinheiro apesar do contratempo da publicidade lhe dificultar o trabalho. Se por um lado não pode pôr um anúncio a oferecer os seus serviços também não pode contar com a clientela para os recomendar a outros potenciais clientes... O humor negro pontua a carga dramática como forma de aligeirar o ambiente. Uma atmosfera onde ninguém se consegue sentir confortável e dentro da qual se vai construindo um convite a cada um para fazer parte da estrutura dramática. Tema tabu, a eutanásia, tal como a morte, é ainda hoje um tema incómodo, um impecilho que se varre para debaixo do tapete no discurso da sociedade. Todos sabemos que existe, todos sabemos que a nossa existência acabará um dia, mas isso não é assunto para conversar. E dentro desse desconforto escondemos desejos que ainda menos revelamos. Há um momento em que o Eutanasiador se vira para os interrogadores e lhes pergunta: 

 - Se calhar até têm alguma inveja do meu trabalho. Quantas vezes não desejaram matar este ou aquele e, simplesmente, não tiveram coragem de o fazer...ou admitir? 

Nesta altura não é só o interrogador que é interpelado, mas cada um de nós.  

Por fim o Eutanasiador deixa-se capturar. Não por falha própria mas para dessa forma poder dar testemunho da sua actividade, do seu profissionalismo, para que o mundo conheça o seu nome e a eficácia do seu desempenho. Por isso vai deixando pistas, desleixa-se. Aqui não sabemos se o motivo para pôr um fim na sua carreira se deverá apenas a uma necessidade de divulgação do seu trabalho, a uma exigência de gratificação do ego, ou se também o seu fim se aproxima (há um espasmo durante o interrogatório indicador de algum problema de saúde). Não sabemos. O texto não nos dá direcções, não debate conceitos nem estados de consciência. Aquilo que faz, e de uma forma brilhante é confrontar-nos, interrogar-nos, pôr-nos a pensar. E é nesta inquietude estimulante que reside grande parte do êxito desta obra. 

Autora premiada, jurista de formação e formadora na área do envelhecimento e do direito das pessoas idosas e com demência, Paula Guimarães alcança aqui mais um patamar de qualidade e enriquecimento do património cultural no seu já longo trajecto criativo. A encenação de Diogo Infante é perfeita, envolvente e ao mesmo tempo estimulante do princípio até ao fim. Por fim a interpretação do actor Sérgio Praia revela sobriedade, realismo e um posicionamento que rapidamente transforma o seu texto num diálogo com uma plateia de caras conhecidas, amigos de longa data habituados a longas conversas. 

Tudo isto somado, estamos perante um grande momento de teatro, uma proposta desafiante fora da caixa, em suma, num belo momento de criação cultural. 

 

Artur Guilherme Carvalho