Neste dia primeiro do décimo segundo mês de dois mil e vinte e quatro escrevo já tarde. Está um frio bom lá fora e tenho as estrelas limpídas a brilhar sobre a cabeça. Este ano, cada dia dele, foi de muita gratidão e aprendizagem, talvez por ter sido um ano de muita dor, muita terapia, muito amor, silêncio encoberto por gargalhadas sonoras. Nenhuma das minhas melhores amigas, nem um dos meus melhores amigos,está aqui,nem o meu filho, nem as minhas filhas, nem a minha neta. Sou filha única e órfã de pai e mãe há demasiados anos para sequer contar com um abraço que conforte qualquer queda. A segurança do vosso amor é que me desenha cada passada e me ampara todas as quedas. A lembrança dos vossos abraços é como o calor destas estrelas que sobre mim brilham tão límpidas no céu de veludo escuro.
Brindo aos amores passados com um chá a ferver entre as mãos e novamente agradeço, mesmo aos que me magoaram, porque aos que eu magoei já lhes pedi perdão. Ganhei músculo contra déspotas com pelugem fofinha e instagramável.
Sou tão voluntariosa como apaixonada e isso leva-me a cuidados redobrados com esta menina que dança debaixo da pele de senhora de meia idade. Trago comigo os ensinamentos de casa,da escola, da praia e das tempestades,dos voos, duma vida cheia de tudo e dos livros,filmes e músicas que vou devorando ao longo dos anos que são bastante inferiores ao número de hemáceas que compõem a minha corrente sanguínea mas não renováveis a cada cento e vinte dias.
Aprendi, finalmente, a não me deixar para trás, nunca. No fim do dia, antes de me deitar, depois duma caminhada noturna com os animais que fazem parte deste lugar, recolho-me da vida como é e embrenho-me naquilo que também me compete. As linhas diárias de escrita, os lençóis aquecidos pelo ferro de engomar, as portadas das janelas fechadas, a máquina de roupa pronta a rodar, a cama do lobo esticada ao lado da minha, as plantas regadas, a louça a pensar se vai ser lavada, as panelas ainda quentes dos sabores partilhados. Sou pessoa de muitas pessoas, sou uma solitária que adora gente por cada característica que as compõe.
Amanheci ainda antes do céu abrir neste dia terceiro do último mês. Há nuvens com pinceladas de cor de laranja sobre as árvores na quadrícula esquerda da janela da cozinha. Está frio e o café acorda-me docemente enquanto a visão de mais um dia bom alegra-me o acordar. A cada dia novos amigos aparecem e antigos amigos reaparecem. Preparo as botas e a camisola mais quente. As tarefas aqui são como o trânsito na segunda circular, lentas. De resto em nada se comparam.
Dezembro feliz!
Elsa Bettencourt