domingo, 7 de maio de 2023

TALVEZ PELO MAR FORA

 

É tão vasta a palavra “talvez” que cabe dentro dela uma existência inteira, uma expectativa no horizonte que nunca se aproximou, uma dor que doeu para lá do tempo que tinha, um desperdício aproveitado desprovido de justificação. Talvez um dia tenhamos chegado aqui vindos de não se sabe onde para uma viagem sem mapa nem bússola, um caminho de solavancos e encontrões cujo sentido só será conhecido quando já não fizer sentido nenhum. Talvez nos tenhamos encontrado nessa viagem atribulada quando dois comboios pararam na mesma estação em direcções diferentes. Duas janelas que coincidiram entre apeadeiros, olhares cruzados, rostos familiares e um apito ensurdecedor de partida a sublinhar uma despedida antes do reconhecimento. Talvez uma memória tivesse ficado esquecida, perdida no apagamento das coisas que não podiam ser lembradas. Talvez, como quem está numa praia onde o mar toma conta de tudo e a voz não se consegue ouvir. Talvez o Sol me tenha aquecido a falta do teu abraço antes das ondas embalarem as noites que não dormimos. Talvez os desencontros, as faltas de comparência e de sintonia tenham sido os sinais de todo este caminho onde, sabendo de nós, de alguma forma também sabíamos que nunca nos iríamos encontrar. Talvez o mar nos soubesse dizer alguma coisa mas se tenha esquecido da melhor forma de o fazer. Em vez disso deu-nos tranquilidade, silêncio, uma resposta vaga, um conselho imperceptível em forma ondulada de uma respiração permanente. Talvez a caminhada tivesse algum sentido e as ausências, as dores, os desencontros e os acidentes fossem lições que era necessário aprender. E o caminho foi percorrido, primeiro com medo, depois com raiva e por fim com resignação. Talvez tudo fosse uma ilusão extremamente real de saborear para que melhor se pudesse ultrapassar mais uma etapa. Talvez volte esta tarde ao mar e, desta vez fique por lá a deixar cair a noite, quieto sem me mexer, a ondular na respiração das ondas, a falar contigo através do vento. Talvez fique por lá e não volte e deixe em terra os desencontros e as ausências, as dores e as perguntas a que nunca consegui responder. Talvez no meio do ondular o corpo se desprenda e a voz se cale e tudo  fique inexplicavelmente parado como um comboio na sua última estação. Os passageiros a saírem em fluxo contínuo, as bagagens e, por fim as luzes desligam-se. O silêncio enche todo o espaço e só as memórias vão ficar por ali como pequenas marcas da passagem dos dias. Pequenas marcas que o tempo se encarregará de varrer de manhã enquanto prepara uma nova viagem. Talvez…

 

Artur

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