terça-feira, 15 de março de 2022

ENTRE O PALCO E A PLATEIA

 Décimo quinto dia do terceiro mês de dois mil e vinte e dois. Ainda se atualiza os dados pandémicos do dia neste lugar cheio de árvores em todas as janelas. Não os ouvia antes, nem os ouço agora. Sinto-os no olhar dos mais velhos em forma de interrogação esgazeada entre as filas do pão e do papel higiénico, do álcool gel e da gasolina sobrevalorizada. No meu é como se o areal se tivesse mudado para as pálpebras e retina.

Tudo encareceu, sobretudo o que não se encontra.
Tudo rareou, sobretudo o que não se compra.
Além da banalização do mal, banalizou-se tudo o que mais nos prejudica e tudo o que nos eleva como entes humanos. A compaixão e a empatia manobra-se através dos vidros pelos técnicos estudiosos do polegar para cima ou para baixo e das técnicas de evasão do sentir mais fundo. Afinal já andamos a ser treinados para viver através da espessura do filtro que nos protege. Na dúvida desenhamos um sorriso sobre a máscara. Estamos proibidos de contactar o essencial por risco de contágio de qualquer sentimento sem antídoto em qualquer prateleira digital. O medo, a culpa, a impotência e a raiva servem-se às colheradas misturadas com mel, imagens de primavera, e a coragem dos inocentes. Interrompo o pensamento para ir dar um abraço a uma das minhas pessoas preferidas que está a poucos quilómetros de mim. Regresso dois dias depois às palavras daqui e aos pensamentos dali. Tenho sorte e agradeço. Reclamo da tinta que não seca e de tudo o que acho que posso controlar. Desligar os serviços noticiosos volta a ser urgente para bem da sanidade mental que tanto sofreu estes últimos dois pares de anos. Não me enganei nas contas! Para mim são dois pares porque o meu confinamento começou mais cedo, antes de qualquer pandemia, com limitações ditadas pelo meu corpo e pelos médicos. Novamente, só posso ter a veleidade de controlar a minha bolha. Só posso ajudar dentro dos meus limites. Não vou apontar dedo nenhum a ninguém porque não está na minha natureza nem quero que esteja. Se me pedirem a opinião digo o de sempre. Não gosto de senhores da guerra seja de que nacionalidade forem. Também não gosto que explorem a minha sensibilidade com imagens de sofrimento seja de que ser for. Há uma falsa sensação de que só agora é que todos os males acontecem. A sério? Por onde é que temos andado? Onde é que estamos quando precisam de nós? No meu caso, e porque eu estou sempre bem disposta, até sobram os dedos duma mão para contar as presenças preciosas que me agarraram com força para eu não cair. Sei-vos de cor meus raros amigos e sei porque muitas vezes me são mais íntimos do que o meu espírito é a mim. Deixem que a poesia de todas as coisas vos toque e façam o que sabem fazer. O barril do petróleo ou o preço do óleo, a invasão das privacidades ou das cidades, os vírus eminentes ou narizes proeminentes, são os fios que seguram as marionetas quando as querem pôr no devido palco. Aproveitemos a vida e o que resta dela. Abraço-vos.

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