segunda-feira, 30 de março de 2020

Diário da Peste 18/3/2020

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O conceito de normalidade é flexível, fluido, pois um estado-de-coisas pode instalar-se muito rapidamente. Tão célere que fica a sensação (com reflexos existenciais óbvios) que tudo pode acontecer. No entanto, nada acontece por acaso e é possível a análise histórica, sociológica e filosófica de uma transformação. É essa actividade crítica, num sentido específico que provém do Iluminismo, que importa exercer. Talvez, o que estes tempos requeiram, numa necessidade urgente, seja aquele tipo de intelectual engagé que parecia já extinto. Aliás, com a exigência acrescida de uma extrema abertura de pensamento, o qual tem de abarcar também alguma informação científica que tantas vezes é tão técnica que chega a ser críptica. Porque não bastará apenas uma atitude heurística. Há que proceder à análise e para isso não não é suficiente o manejo das ideias que pertencem ao cânone humanista.
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Sublinha-se, contudo, o conceito de complexidade, ou acreditarão que, hoje, haverá uma qualquer forma de inteligência comunitária que, de um modo mágico (porque o que desafia a compreensão é da ordem do pensamento mágico) ou automático, garante uma racionalidade ponderada? Todavia, por uma razão prática, talvez o paradigma de um pensamento crítico individual esteja porventura em crise. Tal razão é linear: como pensar criticamente se há demasiada informação? 
Chamo a isto o Complexo de Borges, no labirinto de uma biblioteca infinita nunca se chegará à verdade, ainda que da ordem do meramente provável ou razoável.

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