quarta-feira, 24 de julho de 2019

MEMÓRIA DE MIM




De repente e sem me esforçar muito, lembrei-me que era celta, lusitano e fenício. A memória inscrita nos meus genes era uma selecção ou uma mistura ou tudo a um tempo de uma história antiga de povos e culturas que trocaram mercadorias, ódios e aprendizagens. De correrias pelo mato, caminhadas por montanhas, trocas em mercados, campos cultivados, pescas, barcos navegados pelos caminhos do mar De gente que acabou por se misturar entre a vida e a morte num mesmo território. Depois, sem forçar a memória, percebi que era judeu, cristão e árabe. O meu Deus era um gajo que tinha várias camisolas que ia trocando ao sabor das estações e dos tempos mas era sempre o mesmo. Os tipos que achavam que falavam em nome dele é que eram apenas e só uma cor, uma camisola, uma coisa qualquer contra a outra cor, dividiam para dominar, entrar nas nossas vidas e dizer como as deveríamos viver. No fim as camisolas lutavam entre si, morriam e matavam em nome do mesmo Deus e os tipos que falavam em nome dele engordavam, enriqueciam, dominavam a maioria. Uma empresa com várias filiais mas um único presidente.
Sem fazer um grande esforço percebi que era português, castelhano, francês, que respirava o mesmo ar, dividia umas gargalhadas ao fim da tarde, numa paisagem mediterrânica desenhada a azeitonas, pão e vinho tinto. Que sofria o mesmo transtorno com as tempestades, que suava a mesma sede com as secas prolongadas, que batia o dente da mesma maneira quando chegavam os cortantes ventos do Inverno.
De repente percebi que era europeu, e africano e asiático, e a minha única dúvida era sobre qual deles teria sido primeiro.
E fui branco, preto, amarelo e vermelho e dancei as danças da chuva, rodopiei as voltas do folclore, fiquei nostálgico ao som dos blues, saltei com o bater dos tambores, deixei que a música fosse falando por mim, deixei a música tocar a sua única melodia.
Percebi que para ser um teria que ser  tudo e todos. Em breve serei nada…

Artur

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