terça-feira, 26 de março de 2019

APRESENTAÇÃO DE "SERMÃO AOS MATRAQUILHOS" NA CINEMATECA



No passado Sábado, dia 23 de Março, estive na Cinemateca para apresentar o meu último livro, "Sermão aos Matraquilhos". Mais uma ocasião para juntar amigos e familiares em torno das letras, das palavras e da partilha de uma história contada. Foram oradores o Arnaldo Mesquita (o meu irmão/amigo/ prefaciador crónico) e a Sofia Fonseca Costa, responsável pela revisão do texto junto da Emporium Editora. Estiveram também presentes os partistas Sofia Vaz Pinto, o olhar deste blog e de todas as capas anteriores dos meus livros já publicados e o João Matos, personalidade criativa, multifacetada, escritor, pensador, desenhador e, acima de tudo um amigo e companheiro também destas andanças d'As Partes do Todo.
Uma das razões porque dediquei uma vida aos caminhos das palavras e dos livros, aos trilhos abertos enquanto contador de histórias é o facto de nunca sabermos como uma história vai acabar, quantas pessoas vai tocar e de que maneira. Uma vez concluída a obra ganha vida própria como um filho que se torna adulto e deixa a casa paterna/materna.O retorno é sempre motivo de orgulho e satisfação. Porque quando escrevemos é sempre para os outros que o fazemos, sejam eles próximos ou desconhecidos. Sem saber falamos uns com os outros, encorajando, amparando, estimulando, rindo chorando,amando. A prova de tudo isto que eu disse encontra-se no texto seguinte que a Sofia Fonseca Costa teve a amabilidade de reproduzir. É por causa dela e de outras pessoas como ela que eu escrevo e não desisto. Para manter abertas as pontes da comunicação e livres os corredores da solidariedade humana. Só por isso já valeu a pena. Obrigado Arnaldo, obrigado Sofia, obrigado a todos por retirarem das minhas palavras o conforto de uma história bem contada que os conseguiu cativar.

         Artur Guilherme Carvalho





Quando cheguei, havia alguém de braços abertos à minha espera.
Só na apresentação do meu livro é que estava no mesmo estado de inquietude. Atestei, até, que o livro era cuidado, por mim, como se fosse meu. É o que faço naqueles em que toco e nos quais trabalho, mas este é mais do que meu. Sou eu.
Havia alguém de braços abertos à minha espera. "Sofia, ainda bem que veio! Tenho ali um presente para si."
Sabem, os que me conhecem, que tenho dificuldade em aceitar prendas.
Nesta semana, também eu comprei um. Porque quis. Porque pude. E porque sim. Tal como o presente que recebi, em sinal de agradecimento, que trouxe para casa.
O livro sou eu. É inquietante, intenso, faz-nos querer parar, recuar, fugir e, ainda assim, não querer largar, é a vida a acontecer à frente dos nossos olhos. E a morte também. A morte por força da vontade suicida.
Falei pouco. Muito pouco. E estive sempre, ao contrário do habitual, munida de notas para ter um fio condutor que se perdeu assim que me apresentei e disse o nome do livro.
Naquela sala, naquele espaço cheio de câmaras de filmar, cadeiras, poltronas, pessoas encantadoras e peças da história do nosso cinema, eu quase não falei. Por outro lado, chorei e pedi desculpa por não estar a cumprir aquilo para que tinha sido convidada.
É que eles não sabiam, mas naquele instante, naqueles minutos que foram meus, não era a Sofia crescida que ali estava. Era a menina de 15 anos que hoje falou sobre suicídio com uma multidão de desconhecidos. Falou sobre a necessidade de nos salvarmos uns aos outros. Sobre a importância dos afectos, dos físicos aos emocionais. Pediu para que passassem a estar mais atentos porque o mundo está cheio de coisas menos boas, menos felizes e, na verdade, de muita merda gratuita que só nos diminui.
Sabia o quão difícil me seria. E fui enfrentar o medo das recordações mais difíceis e falar sobre suicídio.
Falava, na quarta-feira, ao almoço, sobre o quanto mudamos quando somos directamente confrontados com a nossa própria finitude.
Hoje foi o mesmo. Apresentei o livro, da melhor maneira que consegui, escudando-me em citações do autor, mas no fundo, era o grito de socorro que devia ter dado lá longe no tempo.
As palavras são mágicas. Têm este condão de nos fazer viajar, andar no tempo e (re)viver.
Em duas horas, para além da minha parte, falámos de Kafka, Bukowski, Platão, retórica, vida, morte, cinema, história de arte, música, museus, Mértola, Beja, entidades jurídicas, filosofia e do quão importantes são, de facto, as coisas pequenas.
Chorei e comigo choraram outras pessoas, tão ou mais emocionadas que eu. A voz fraquejou algumas vezes. O queixo tremeu. Os olhos marejaram-se e transbordaram. E pedi desculpa.
No final, fui acolhida em abraços. Daqueles tão fortes que quase nos juntam cada caco que caia no chão.
"Parabéns pela apresentação e por viver assim. Nota-se que é uma pessoa intensa. Não mude nem peça desculpa por chorar quando é essa a sua vontade. Não chore por ter essa sensibilidade rara. Orgulhe-se disso."
Fui apresentar um livro sobre vida, matraquilhos, música e senti que o pedido de ajuda da menina de 15 anos que lá estava a falar, a dizer que se chama Sofia Fonseca Costa, entre outras coisas, foi ouvido.
Oiçam também, por favor, aqueles que estiverem ao vosso alcance.
No livro, todos ficam em silêncio depois da perda. A vocalista da banda suicidou-se. E os restantes membros sentem e sabem que, no fundo, perderam um pouco da própria voz de cada um.
Estejam, portanto, mais presentes na vida uns dos outros. Abracem-se, se forem de abraços. Não fujam do que vos faz ou pode vir a fazer feliz. Não julguem. Cada pessoa tem a sua verdade. Digam uns aos outros que são importantes. Digam e mostrem quem é o melhor do vosso dia, aquela pessoa que vos faz vibrar, quando parece não haver mais nada para além do cansaço. Agradeçam tudo o que têm. Façam por ter mais, se é isso que querem, sem esquecer a partilha.
Só se vive uma vez, para quem não acredita em reencarnação, mas todos os dias há quem se sinta morrer um bocadinho mais. Estejam atentos, dando o lugar do vosso umbigo à vida do outro.

"Andámos por aqui, como vocês andam agora, a tentar que os dias amanheçam sempre felizes, que a vida nos sorria e que o amor não nos abandone. Andámos por aqui empenhados em descobrir a máquina da felicidade e nem o manual de instruções conseguimos encontrar. Mas vale sempre a pena... a procura e o resto. As pedras no caminho, os buracos, as dores e as tristezas. Vale sempre a pena desde que saibamos amar os outros, os amigos, os filhos, aqueles que nos ajudam a voltar ao trilho quando tropeçamos. Não temos nada para vos deixar, nada para vos ensinar que vocês não venham a aprender sozinhos." Artur Guilherme Carvalho, n'O Sermão aos matraquilhos
E, no regresso a casa, caminhei perto de amores perfeitos, fui parar ao Tejo. Agradecer a escolha que fiz, ainda mais miúda do que com 15 anos, de me dar às palavras. De todas as que já escolhi, foi esta a mais feliz.

                 Sofia Fonseca Costa



     

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