quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

DURO ATÉ AO FIM








                                                                   Duro prossegue
                                                                  direito ao fim
                                                                 sem pena de nada
                                                                nem de ti nem de mim.



O projecto começado há uns anos atrás com "Puro" vê agora o seu epílogo com "Duro" num refinamento de qualidade e reafirmação de posições extremamente bem acolhido tanto pelo público como pela crítica. Quando vamos ver mais um concerto dos Xutos ou nos preparamos para ouvir um novo trabalho, a escala utilizada parte sempre do nível Bom. O restante escalonamento limita-se a posicionar-se nos níveis de boa qualidade apresentado pelas suas propostas. Neste caso, com "Duro", o mínimo que se pode dizer é que a instituição Xutos & Pontapés, a fábrica de Rock'n Roll trabalha cada vez mais como uma máquina afinada onde todos os seus sectores se obrigam a esticar ao limite máximo as suas capacidades.
Sendo o primeiro trabalho após o desaparecimento de uma das suas peças fundamentais, o luto, a tristeza, a persistência e o hino à vida foram paragens obrigatórias nesta caminhada já longa de quatro décadas que teima em continuar. O Zé Pedro partiu mas o seu legado ficou, cinco temas deste album têm ainda a sua assinatura, e para além disso, a melhor homenagem que lhe podia ser feita pelos seus companheiros de estrada e aventura seria exactamente esta. Continuar enquanto houver força, continuar enquanto houver qualidade.
Á partida destaco quatro temas fortes, "Duro", "Fim do Mundo", "Às Vezes" e "Mar de Outono", dois temas de puro rock e duas baladas fantásticas. Em "Duro" a guitarra de João Cabeleira volta a ser enorme e a letra um cartão de visita de toda uma obra de quem nunca se resignou fiel ao lema "antes quebrar que torcer". "Fim do Mundo" vai em crescendo arrastando a raiva de quem não pára de lutar mesmo sabendo que vai perder no fim, mesmo quando as forças começam a faltar. É Xutos de sempre, de cabeça erguida exibindo a sua razão, a sua dignidade, o seu direito a passar pela vida e ao seu pequeno espaço conquistado por mais pequeno que seja. " Às Vezes" é um hino à fragilidade e à força que todos temos dentro de nós para enfrentar os dias, as relações com os outros, os caminhos do desejo e do amor que se percorrem sem mapa nem bússola. A paz que conquistamos de vez em quando mas que insiste em nos escapar pelos dedos, uma luta permanente.
E depois temos "Mar de Outono", um "baladão à Pink Floyd" como já alguém disse. O sax do Gui a pintar ruas desertas em noites de chuva, a guitarra do Cabeleira a enquadrar um ambiente de mágoa e solidão, a voz do Tim e a bateria ondulante do Kalu.

"o vento cresce, o tempo arrefece
vai ficando escuro neste mar de Outono"

Marinheiros solitários de uma já longa jornada, navegadores cansados mas determinados em não desistir até ao último fôlego, empenhados em seguir a sua demanda.

Dois dos temas de "Duro" não eram novidade na medida em que já tinham sido tocados em espectáculos ao vivo ou usados para outros fins. É o caso de "Alepo", cuja letra é baseada em twiters publicados por uma jovem síria durante a guerra e "Sementes do Impossível", referência musical para a banda sonora do filme ÍNDICE MÉDIO DE FELICIDADE (2017) de Joaquim Leitão. Se numa se retratam os horrores da guerra através do olhar  de uma criança, no outro retrata-se o período recente da crise económica e a forma como esses tempos negros dividiram e castigaram uma família.
Segue-se "Espanta Espíritos" um convite à reflexão acerca do vazio destes tempos repletos de muita informação e pouco conhecimento, muita comunicação e nenhum contacto entre as pessoas. Um tempo assustador e impessoal onde a tecnologia corre o risco de desumanizar a vida e transformá-la num deserto de egos cegos e inconsequentes.
Para finalizar há ainda "Duelo ao Sol" com a colaboração de Carlão (Da Weasel), uma breve incursão no Rap e "Imprevistos".
No cômputo geral "Duro" consiste numa sequência de nove temas que se ouvem com um enorme prazer assinado pela maior banda de Rock de todos os tempos em Portugal.
Esteja onde estiver o Zé Pedro há-de ter o seu sorriso eterno de orelha a orelha e cheio de orgulho pensará:

       "Fui eu que ajudei a fazer isto…"


Artur


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