domingo, 28 de julho de 2013

SEJER

Não é pequeno feito, nem uma proeza despicienda, ter conseguido destruir em dois anos um país com 900 anos de História. Insatisfeitos com o trabalho realizado e querendo completá-lo, levando-o ao zénite que o seu génio lhes promete  e a que o seu talento os habilita, os nossos homens da direita querem que também a língua, quiçá a literatura e as artes se conformem à ideia que fazem da Nação, imortalizando-os numa eternidade de semi-deuses que não só criam uma nova realidade, como também forjam no aço a linguagem que a representa e lhe dá expressão. Os tratos de polé a que sujeitam a língua mãe, a pobreza do discurso, a indigência da sintaxe, têm por fim criar uma nova língua, que há-de assentar como uma luva no novo homem que almejam criar: empreendedor, poupado, escorreito,amoral. Contrariam a tese de Michel Foucault, segundo a qual a crise do poder começa por ser uma crise do discurso. Sem querer repetir a analogia com a "novilíngua" inventada por George Orwell em 1984 (Pacheco Pereira dixit), direi que estamos em presença de um mecanismo de engenharia linguística sem precedentes na nossa História: a transformação da nossa língua num instrumento operativo ao serviço da política. Assim, depois do "cidadões" e do "façarei" de Cavaco Silva, dos inúmeros dislates do falecido Relvas, ouvimos esta semana Passos Coelho a bradar perante as televisões "Sejemos realistas !". Deve ser um novo verbo, o verbo sejer, que se conjugaria assim;

Eu seje, tu sejes, eles sejem, nós sejemos, eles sejem

Não sei se a Academia já terá incoporado este novo verbo, nem o que Malaca Castanheiro terá a dizer sobre a sua justeza e adequação ao português moderno. Pouco importa. De repente, lembro-me de remodelar um célebre "slogan" do Maio de 68, que passaria a rezar deste modo:

"Cidadões, sejemos realistas, exigemos o impossível !"

1 comentário:

Hélder disse...

Num momento da História em que o culto da mediocridade se impôs, fazem falta análises destas. Excelente.
Abraço, caro Arnaldo.