Durante dois anos a justiça portuguesa montou um aturado processo - que custou alguns milhares de euros à já depauperada economia do sistema judicial - a um sem-abrigo do Porto que furtou uma embalagem de champô e um polvo de um supermercado Pingo Doce. Melhor dizendo, não chegou a furtar, visto que um atento vigilante tratou de apreender o objecto do furto. Esclareço desde já que estou plenamente de acordo não só com a perseguição destes casos até ao limite previsto na lei, como com o resultado final deste processo: o sem-abrigo foi condenado a uma multa de 250 euros, remíveis a dias de prisão na hipótese de os não ter. Concordo em absoluto, não só com a metodologia do processo, mas também com os seus fundamentos ou princípios orientadores:
1) Para que precisa um sem-abrigo de champô ? Para tomar banho e lavar os cabelos na casa de banho que tem instalada na caixa de cartão ? E , já agora, iam também umas lâminas de barbear, uma loção corporal, quiçá um after-shave ou uma eau-de-cologne. É preciso muito descaramento. Por este andar, com as manias da higiene, qualquer dia também queria um emprego, um apartamento e um carrinho estacionado à porta para os passeios de fim-de-semana;
2) Já no que toca ao polvo, o caso muda de figura e de nível. Para que quereria ele um polvo ? Para fazer uma festa para os colegas sem-abrigo, que compareceriam à mesma depois de utilizarem o champô, banqueteando-se então com o petisco, bem regado com umas litradas de Teobar ou Camilo Alves ? Não, meus amigos, a questão do polvo não tem desculpa. É que está bom de ver, o POLVO (agora em maiscúlas) está reservado para as classes altas, para todos aqueles que podem manobrar os seus tentáculos enganando o fisco, corrompendo e deixando-se corromper, enriquecendo aboletados à mangedoura farta do orçamento de estado, transferindo rendimentos e lucros para paraísos fiscais (como o dono da mercearia onde o vil crime foi cometido). O polvo não é para todos, muito menos para um sem-abrigo. O polvo não é do povo, embora o povo, por vezes, gostasse de ser do polvo. O polvo e o povo jamais estarão unidos. No dia nefasto em que o polvo fosse do povo toda a ordem social estaria subvertida. Polvo, meus amigos, só há um : o do soares dos santos e mais nenhum.
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